Roca da fortuna - As Moiras e o livre-arbítrio
- Amanda Annibale
- 6 de mai.
- 14 min de leitura
Atualizado: 15 de mai.
As deusas do destino e a travessia simbólica do autoconhecimento

Há algum tempo venho sentindo a necessidade de escrever um artigo sobre o paradoxo do Destino e do Livre arbítrio, sobre como em nossas escolhas, também temos um compromisso com o nosso destino, com o inevitável. Talvez como uma forma de ampliar o lado oposto dessa cultura do esforço, do controle e da manipulação mecânica da vida constantes , que nos sugam a paz interior e nos colocam em uma posição autodestrutiva em prol da produtividade, do sucesso e da vida ideal. E eu me pergunto, ideal para quem? Eu que, parti cularmente, sempre cultivei uma certa resistência a essas regras e normas unilaterais que não consideram o lado humano da existência, também sou atravessada por essa aceleração desumana e desalmada do nos so tempo. E pensando nesse tema, quem melhor
para nos inspirar arquetipicamente do que as Moiras (Mitologia Grega) ou as Parcas (Mitologia Romana), as deusas do destino?
"Pelo destino somos conduzidos; rendam-se ao destino. Nenhuma preocupação ansiosa pode mudar os fios de seu fuso inevitável. Tudo o que nós mortais suportamos, tudo o que fazemos, vem do alto; e Láquesis mantém os decretos de sua roca que por nenhuma mão podem ser revertidos. Todas as coisas se movem em um caminho designado, e nosso primeiro dia fixou nosso último. Aquelas coisas que Deus não pode mudar, que aceleram em seu caminho, intimamente entrelaçadas com suas causas." Sêneca, Édipo 980 ff (trad. Miller) (tragédia romana C1st d.C.)
Desde tempos remotos o ser humano é tomado por questões nos levam a um ponto sensível da experiência humana, o entrelaçamento muitas vezes contraditório, entre destino e o livre-arbítrio, o que nos é dado e o que cabe a nós escolher em diversas dimensões de nossas vidas como: que profissão devo escolher? Será que esse relacionamento vai dar certo? Por quê tudo acontece comigo? Onde foi que eu errei? Quando é que algo especial vai acontecer comigo? Se eu me esforçar vou chegar lá! E se eu nunca for boa o bastante? Por que é tão difícil para mim e tão fácil para os outros? Será que estou no caminho certo? Mereço ser feliz? Será que um dia eu sentirei paz? Tudo daria certo se eu fosse diferente. Eu ainda tenho tempo para mudar de vida? Será que essa dor vai passar um dia? Por que eu sempre volto para o mesmo lugar?
Diante do nosso sentimento de vulnerabilidade perante nosso próprio Destino, entramos em conflito interno sobre o que será de nós e o que podemos fazer por nós e, honestamente, a maioria fica na primeira parte, lamentando o Destino recebido. Por um lado recebemos da vida condições das quais precisamos enfrentar para descobrir o que vem além, não as escolhemos, elas não respondem as condições de meritocracia a que estamos culturalmente imersos socialmente, são simplesmente dadas e nos provocam de formas únicas. Mas o que fazer com essas provocações? Muitos não sabem e é até natural não sabermos. O que nos leva a outra questão: o que fazer com essa falta de conhecimento sobre este assunto? Por desconhecermos a resposta estamos sujeitos (destinados?) a cair em atitudes reativas e mal refletidas como, lamentação, vitimização, negação, racionalização excessiva, busca compulsiva por respostas externas, excesso de controle, hiperplanejamento, comparação constante com os outros, espiritualização sem enraizamento, apatia, desistência silenciosa, criação de narrativas salvadoras, psicossomatização (deslocamento da angústia para o corpo), repressão da angústia ou hiperprodutividade.
E essas atitudes resolvem a questão? Não, nem se quer estimulam a criatividade que existe na alma humana para co-criar uma resposta possível ou um outro caminho. Esse choque entre destino e livre-arbítrio é hoje vazio de esperança, de entusiasmo, de alma assim como o coração do homem contemporâneo. Desaprendemos a lidar com enigmas, com questões fundamentais existenciais, com paradoxos e condições que ainda que humanas, o 'homem máquina' não se dispõe sequer a dialogar com elas. Falta-lhe recursos culturais e psicoeducacionais para enxergar o potencial criativo que existe na angústia imposta pelo destino bem à sua frente. Chamem as Parcas, chamem as Moiras, para onde elas foram? Deusas gregas, encarnações do destino, do inevitável, do que não pode ser alterado. Para onde foi a sua sabedoria ancestral? Estarão elas ocultas aos olhos dos mortais ou simplesmente desaprendemos a ler os seus sinais?
As Moiras (Parcas) - Filhas da noite (Nix) e senhoras do Destino
Letra Grega V Anônimo, Fragmentos 1018 (de Estobeu, Antologia) (trad. Campbell) (letra grega a.C.):
"Ouçam, Moirai (Moirae, Destinos), que se sentam mais perto dos deuses do trono de Zeus e tecem em lançadeiras adamantinas incontáveis e inescapáveis dispositivos de conselhos de todos os tipos. Aisa (Aesa, Destino), Klotho (Clotho) e Lakhesis (Lachesis), filhas de braços belos de Nyx (Noite), ouçam nossas preces, vocês, divindades terríveis do céu e do mundo inferior: enviem-nos a Eunomia (Ordem) de flores de rosas e suas irmãs Dike (Justiça) de tronos brilhantes e Eirana (Eirene, Paz) que usa guirlandas, e façam esta cidade esquecer seus infortúnios opressivos."
O destino faz parte dos fundamentos da existência humana e por isso encontramos suas encarnações em diversas mitologias do mundo, como: as Nornas (Urd, Verdandi e Skuld) na Mitologia Nórdica , o Karma, o Dharma, Yama e Lakshmi na Mitologia Hindu, Orunmilá, Ifá e Ori na Mitologia Iorubá, Yue Lao e o Livro do destino (Ming Shu) na Mitologia Chinesa, Samsara e Yama no Budismo Tibetano e os espiritos ancestrais , totens, as visões xamânicas nas culturas Indígenas Americanas e não podemos esquecer das Moiras (Cloto, Láquesis e Átropos) na Mitologia Grega ou as Parcas (Nona, Decuma e Morta) na Mitologia Romana.
Dentre tantas possibilidades mitológicas, escolho aqui a representação das Moiras da Antiga Grécia, dos tempos onde os Deuses e Deusas ainda estavam entre nós e os visitavamos em templos erguidos em homenagem a sua importância em nossas vidas, ainda reconhecida, temida e respeitada naquela época. Segundo o Dicionário de Mitologia Grega e Romana, MOIRA (Moira) significa "uma parte"e sua personificação é "a divindade que atribui a cada homem seu destino ou sua parte", ou os Destinos. Na as Moiras nem sempre apareciam como três deusas, algumas vezes apareciam como a Moira uma integração das três correspondente ao destino de cada homem. Na mitologia elas aparecem como senhoras do destino que influenciam, junto de outros deuses, as vidas humanas desde o momento do nascimento até o momento de sua morte, elas decidem os desafios e provações que cada pessoa irá passar durante o seu período de vida e quando acham necessário revelam o futuro, também sendo reconhecidas como divindades proféticas.
A maioria dos poetas atribui às Moiras a inflexiblidade e severidade do destino, mas alguns outros, como Homero, trazem uma perspectiva mais flexível onde o destino não interfere abruptamente nos assuntos humanos, são como causas intermediárias e não determinam o o futuro dos mortais de maneira absoluta, deixando espaço para o próprio homem exercer sua influência sobre elas ou seja, o seu livre-arbítrio. Em Hesíodo, encontramos uma versão mais detalhada das Moiras, elas são descritas como três deusas, Clotho, ou o destino giratório; Lachesis, ou aquela que atribui ao homem seu destino; e Atropos, ou o destino que não pode ser evitado. Nessa versão, elas seguem os conselhos de seu pai Zeus ou Moiragetês, representado junto com elas em templos e obras de arte.
É perceptível que a relação do homem com o destino, foi se modificando junto com a evolução da consciência coletiva e individual humana, onde em diferentes épocas percebemos cada vez mais a noção do livre-arbítrio se manifestando como paradoxo do destino expressando a complexidade da psique humana e suas relações com o mundo. Mas o que mortais sem a conexão com os deuses podem saber sobre essa dinâmica complexa em tempos onde o aspecto mecânico e impessoal da humanidade é mais cultivado do que a própria alma e conexão com a dimensão sagrada?
A cultura do emponderamento: arquitetos do próprio destino
A hibris de Faeton - Podemos mesmo tudo o que desejamos?
"No alto, coisas boas e más jazem sobre os joelhos de espíritos inumeráveis, indistinguivelmente misturados. Nenhum Imortal as vê; elas estão veladas em dobras místicas de nuvens. Apenas Moira (Destino) estende suas mãos para elas, nem olha para o que pega, mas as lança do Olimpo para a terra. Para um lado e para o outro, elas são levadas, por assim dizer, por rajadas de vento. O homem bom frequentemente é subjugado pelo sofrimento: riqueza imerecida é acumulada sobre a pessoa vil. Cega é a vida de cada homem; portanto, ele nunca anda com segurança; frequentemente ele tropeça: sempre tortuoso é seu caminho, ora descendo para a tristeza, ora subindo para a bem-aventurança. Todo-feliz não é nenhum homem vivo do começo ao fim, mas ainda assim o bem e o mal se chocam. Nossa vida é curta; não convém então viver em tristeza. Esperança, ainda esperança por dias melhores: não acorrentes à aflição teu coração." Quintus Smyrnaeus, Queda de Tróia 7. 66 ff (trad. Caminho) (épico grego C4º d.C.)
Estamos correndo, estamos buscando, estamos ativos, estamos cada vez mais esforçados, exauridos, ansioso e depressivos. Será que nos deixamos levar pelo avanço tecnológico, da ciências e realmente nos permitimos acreditar que temos algum poder diante da morte e do destino? Ou talvez tenhamos a hibris de Faeton principe de Meíope do Alto Nilo em conversa com Epafos principe do Egito, insistiu em assumir com uma atitude arrogante uma tarefa imprudente, como dirigir a carruagem do sol de seu pai deus Helios para provar o seu valor e a origem nobre de sua paterninade, conforme alegava sua mãe. Foi persuadido pelo seu pai a abandonar essa empreitada com claros avisos das consequências fatais que ela poderia resultar. Mas em seu ímpeto não refletido e pueril Faeton descobriu que na prática a ideia não estava a serviço dessa prova que impôs a si mesmo, perdeu o controle pois não havia maturidade e nem a força para guiar os cavalos de Hélios, que nenhum outro deus sequer ousava tomar as rédeas. Descobriu tarde que por trás dessa visão de glória havia uma força que era única e não era a dele, nunca seria. Após causar um rastro de destruição na terra, no céus e no mar que queimaram à sua passagem descontrolada, foi impedido pelo raio de Zeus e "As Naides Hesperiae (Náiades Hespéricas) enterraram seu corpo fumegante em um túmulo e em uma pedra gravam este epitáfio: 'Aqui jaz Faetonte, o cocheiro de seu pai; grande foi sua queda, mas ele ousou muito.' Ovídio, Metamorfoses 1. 750 ff :"
Quem aqui não é um pouco como Faeton? Quantas vezes não nos encontramos no paradoxo do Destino e do Livre-Arbítrio, com a híbris de principe e desafiamos todas as orientações sábias e todos os sinais internos de perigo que enfrentamos? Perigo? Sim, perigo de perder a si mesmo diante de questões não são nossas para respondermos como a origem da paternidade de Faeton questionada pelo principe do Egito. Faeton arrogante, jovem e imprudente, sentiu-se atingido em seu orgulho e ao invés de se questionar sobre qual melhor resposta a essa questão que era sua (o orgulho), escolheu provar a palavra de sua mãe a contra gosto dela mesma e do seu pai, o deus Helio, que tentou persuadi-lo de muitas formas. Ao tentar conduzirmos o carro do Sol, sem maturidade ou autoconhecimento, ele perde o controle e nos derruba: caímos na exaustão, no colapso emocional, nas perdas relacionais e na sensação de fracasso. Afinal, nem todo desafio é sinal de coragem. Pode ser apenas o Ego querendo brilhar mais do que a Alma. Mas a que preço?
A Hibris humana hoje é cultivada na cultura do emponderamento sem sabedoria, sem conhecimento da própria alma e consequentemente, das próprias necessidades interiore. A consequência massiva disso percebemos no cotidiano do consultório psicológico e na vida cotidiana nos deparamos com a ansiedade, angústia existencial, autocrítica excessiva, perfeccionismo, sensação de fracasso, impotência, dificuldade em lidar com o inesperado, alienação da própria intuição e espotaneidade, burnout e exaustão psicológica. Sinais de que o psiquismo coletivo e individual, estão em constante alerta de necessidade de atualização de conduta psicológica, mas são consideradas como normais, justificativas ou diagnósticos populares para sustentar a cultura do consumo desenfreado de anestésicos que nos alienam temporariamente das dores que fazem parte do nosso desenvolvimento psicológico, como: uso de redes sociais, bebidas, drogas ilíticas, drogas lícitas, pornografia, busca incessante por produtividade, medicalização rápida do sofrimento, compras ou positivdade tóxica, por exemplo.
Mas o que fazer quando Lachesis (Moira), nos reserva como desafio uma ansiedade, uma angústia existencial, uma autocrítica excessiva, um perfeccionismo, uma sensação de fracasso, uma impotência, uma insônia uma dificuldade em lidar com o inesperado, uma alienação da própria intuição e espotaneidade, um burnout e uma exaustão psicológica? Realmente podemos escolher não entrar em sofrimento? A serviço de nos ensinar o que estão esses desafios psicológicos? Estamos todos destinados a lidar com essas questões existenciais? Ou temos escolha? É possível ignorar a sabedoria dos Deuses sem sofrer as consequências Faeton?
A queda de Faeton
Queda em si mesmo
Nonnus, Dionysiaca 39. 3 ff:
"Bakkhos (Baco) ainda estava maravilhado com a confusão das estrelas desordenadas e a queda de Faetonte, como ele deslizou entre os celtas para o rio Ocidental, queimado pelo fogo."
Durante a sua queda da carruagem do Sol, Faeton caiu em si e depois teve seu fim. E a partir dai foi criada a constelação de Auriga (O cocheiro), em outras narrativas ele foi tranformado na estrela Faetonte (planeta Jupiter ou Saturno). Faetonte, em grego significa brilhante ou radiante. Ele teve sua glória na sua insensatez, de seu fim trágico, foi eternizado nas estrelas. Simbolicamente, o fogo da queda de nossa Hibris (ou orgulho) tem seu potencial criativo, porque durante a queda e inevitável não se deparar com a dor da alma e essa dor sempre a serviço de uma nova atitude mental. Caimos em nós, em nossa 'pequenês', quando entendemos o papel do destino nas nossas vidas.
Algumas coisas não podemos escolher, como: o nosso corpo, nossa saúde, nossa estrutura emocional, nossa família, cultura, país, gênero de nascimento, classe social de nascimento ou então até os traços inatos da nossa personalidade ou os arquétipos que nos atravessam. Mas também, conforme vamos nos desenvolvendo, entendemos que podemos não escolher o terreno em que nascemos, mas escolhemos como plantar. Não controlamos tudo o que nos acontece, mas podemos aprender a responder com consciência. Podemos escolher o que nutrir, o que transformar, o que sustentar ou deixar ir. Podemos escolher como vamos responder ao que nos é dado, e é claro que haverão erros e suas respectivas consequências, que algumas vezes são imprevisíveis, mas todas nos levam a queda no fogo que nos transforma de dentro para fora. Os efeitos da queda, podem ser mortais para que não deve mais permanecer em nós como atitude diante da vida e ao mesmo tempo, podem ser estrelas que nos inspiram boa sorte em novas aventuras. Todo fim contém um início e todo início tem uma semente de potencial. Somos psiquicamente ciclicos. Enquanto Clotho (Moira) a fiandeira é responsável pelos nossos nascimentos, Lachesis (Moira) se encarrega dos desafios que irão lapidar as nossas almas durante a jornada da vida. E esses desafios, nos convidam a aventuras inimagináveis e muitas vezes desagradáveis, mas que não cabe nós escolher.
Lachesis - Crescer não é opcional!
A ilusão do controle absoluto
Sêneca, Édipo 980 ss (trad. Miller) (tragédia romana do século I d.C.):
"Somos impelidos pelo destino; rendam-se ao destino. Nenhuma preocupação ansiosa pode mudar os fios de seu fuso inevitável. Tudo o que nós, mortais, suportamos, tudo o que fazemos, vem do alto; e Láquesis mantém os decretos de sua roca, que por nenhuma mão podem ser revertidos. Todas as coisas seguem um caminho determinado, e nosso primeiro dia fixou nosso último. Deus não pode mudar aquelas coisas que avançam em seu caminho, intimamente entrelaçadas com suas causas. Para cada um, sua vida estabelecida continua, inabalável a qualquer prece. Para muitos, o próprio medo é uma ruína; pois muitos encontraram seu destino enquanto evitavam o destino."
Vou usar um clichê aqui: crescer dói. E continuá-lo: Não crescer é impossível, estamos todos destinados a crescer ou conviver com as consequências de bloquear o fluxo natural da vida, o sofrimento. A vida naturalmente nos convida ao crescimento, Lachesis não descansa em seu papel. A roda da fortuna ou a roca das Moiras continua a girar. Viver inclui os altos e baixos do destino, ele não é estável, se entrelaça nas nossas escolhas e também no que é imponderável. Não há controle absoluto, mas ainda assim, em uma esperança vã lutamos contra nós mesmos e desfavoravelmente, buscando respostas por fora ou nos sobrecarregando autocobrança para que a vida não saia dos eixos, para que possamos sustentar aquela tão conhecida "ilusão de controle absoluto" que é vendida na era do "se esforçe e chegará lá", "trabalhe enquanto eles dormem", ou então, "você pode se você quiser". Vamos repensar isso, certo?
Lidar com a incerteza pode chegar a ser uma experiência perturbadora. Todos estão conseguindo, olha a vida deles, olhamos para recortes nas redes sociais, mas desconhecemos as aflições do coração. Aceleramos a mente, o corpo e passamos a ser companheiros íntimos da ansiedade. Veja bem, a ansiedade com alma, com propósito, com reflexão crítica tem o seu papel e pode influenciar giro da roca. Ela nos convida a desenvolver um novo conhecimento sobre nós mesmos, um conhecimento que supera os livros e as receitas prontas de "como as coisas devem ser". Lachesis é sábia, no seu melhor e no seu pior. Cabe a nós, dentro de nossas restrições mortais, considerarmos o desafio e seus efeitos sobre nós para ai desenvolvermos um nível de consciência para lidar com os altos e baixos do destino.
Dizem, os mitólogos e analistas junguianos, que os deuses que antes viviam entre os humanos, agora vivem em nós, como por exemplo: Lachesis (Moira) hoje pode ser aquela intuição de que algo está “indo longe demais” ou “ainda não é hora”. É a medida subjetiva do que está em excesso ou em falta na vida. Ou então, se manifesta quando sentimos a urgência de dar estrutura aos nossos dias, metas, projetos. A busca por equilíbrio entre caos e controle. Ela também pode ser a pressa, a procrastinação, o medo de perder tempo, indicando um desequilíbrio nesse arquétipo. A quando medimos nossa vida pelo fio dos outros: “Já era pra eu estar casada?”, “Na minha idade, fulano já tinha sucesso”, em uma distorção arquetípica. Ela pode vir também quando aprendemos a escutar nosso próprio tempo psíquico: “Esse é o meu momento de recolher”, “Preciso de mais tempo pra entender essa escolha" ou “Agora é a hora de agir". E o manis comum e não menos importante: a angústia de não estar vivendo o suficiente, de estar desperdiçando oportunidades, ou de que “não vai dar tempo”. Lachesis pode estar em conflito com a parte que não aceita a limitação.
Estácio, Tebaida 3. 552 ff (trad. Mozley) (épico romano do século I d.C.):
"De onde surgiu pela primeira vez entre os mortais infelizes do mundo todo esse desejo doentio pelo futuro? . . . que buscam no dia do nosso nascimento [isto é, horóscopos] e na cena do fim da vida, o que o bondoso Pai dos deuses [Jove-Zeus] está pensando, ou a Cloto de coração de ferro?"
Uma vez dentro de nós, as Moiras também fazem parte do nosso sistema nervoso antecipando possibilidades, nos permitindo calcular por meio da ansiedade natural(não a distorção da função ansiosa), probabilidades que nos ajudem a melhor viver ou sobreviver a alguma situação, como se fossem profecias. Chamamos o deuses na psicologia arquetípica de representações ou símbolos que se manifestam através dos alertas psicológicos e nos acompanham na nossa história de vida, como um alerta ancestral instalado no nosso corpo e nossa mente de que precisamos atualizar a nossa conduta, seja para com o mundo, seja para com nós mesmos.
Atropos - O destino da morte
O fim inevitável
Atropos é descrita como a mais velha, menor e terceira Moira. Simbolicamente ela representa o fim inevitável, tanto da vida como os fins dos ciclos da vida. É símbolo do que é irreverssível, nos mostrando que uma vez que ela corta o fio da vida, não há mais volta. No mito de Faeton, encontramos ela após a queda do principe.
Na nossa vida, podemos encontrá-la em momentos como: em mortes simbólicas (relacionamentos, fases da vida, sonhos que não se concretizam), ela se manifesta como a força que corta aquilo que não pode mais permanecer. Quando sentimos que algo precisa acabar, mas insistimos. Isso gera sofrimento, ansiedade e estagnação. A recusa em aceitar o corte necessário é um conflito com Atropos. Ela atua nos momentos em que a vida nos arranca algo e somos obrigados a nos reinventar. Pode vir com sofrimento, mas também com libertação. Ela também está presente quando sentimos a angústia diante da finitude, do envelhecimento, do tempo passando,tocando nossa consciência. Quando compreendida e integrada, Átropos traz foco: “O que realmente importa antes que acabe?” Em seu aspecto mais luminoso, Átropos é a força que liberta do que está morrendo dentro de nós. Nos ajuda a romper com o que nos prende: padrões, vínculos tóxicos ou identidades antigas.
No nosso relacionamento humano com as Moiras, aprendemos uma das lições mais belas da vida, seja através da boa ou da má fortuna: o valor do presente e o que tem significado para nós.
Sêneca, Hércules Furens 177 (trad. Miller) (tragédia romana do século I d.C.):
"Enquanto as Fatae (Moiras) permitirem, viva feliz; a vida avança com passos apressados, e com dias alados a roda do ano impetuoso gira. As irmãs ásperas executam suas tarefas, mas não tecem para trás os fios da vida. Mas os homens são impelidos, cada um incerto de si mesmo, a encontrar os destinos velozes; buscamos as ondas estígias por nossa própria vontade... Na hora marcada, as Parcae (Moiras) chegam. Ninguém pode demorar quando eles ordenam, ninguém pode adiar o dia designado; a urna recebe as nações apressadas para sua perdição."
Referências
CAMPBELL, D. (trad.). Fragmentos 1018. In: Letra Grega V Anônimo, apud Estobeu, Antologia. Letra grega, séc. V a.C.
HESÍODO. Teogonia. Tradução e notas de José Torrieri Guimarães. São Paulo: Escala, 2007.
HOMERO. Ilíada e Odisseia. Diversas edições e traduções. (Utilizado como referência para a visão mais flexível do destino).
MILLER, F. J. (trad.). Sêneca, Édipo, verso 980 e seguintes. Tragédia romana do século I d.C. In: SENECA. Tragedies. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1917.
QUINTUS SMYRNAEUS. Queda de Tróia (Posthomerica), Livro 7, verso 66 e seguintes. Tradução livre baseada em CAMINHO, F. (trad.). Épico grego do século IV d.C.
OPENAI. Resposta gerada por inteligência artificial ChatGPT sobre o tema “Destino e Livre-Arbítrio – A ilusão de controle contemporânea”. ChatGPT. Disponível em: https://chat.openai.com. Acesso em: 2 abr. 2025.
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