top of page

A morte da Mitologia Egípcia: A psicostasia e o luto como jornada de transformação

  • Foto do escritor: Amanda Annibale
    Amanda Annibale
  • 19 de fev.
  • 14 min de leitura

Atualizado: 21 de mar.

Esse artigo foi publicado originalmente na revista digital Mitologia Aberta 23ª edição.
Esse artigo foi publicado originalmente na revista digital Mitologia Aberta 23ª edição.

“O estudo comparativo das mitologias do mundo nos compele a ver a história cultural da humanidade como uma unidade, pois achamos que temas como o roubo do fogo, o dilúvio, a terra dos mortos, o nascido de uma virgem e herói ressuscitado estão presentes no mundo todo – aparecem em toda parte sob novas combinações e se repetem como os elementos de um caleidoscópio”. (Campbell, 2014, p. 15)


Para Carl Gustav Jung, Mircea Eliade, Joseph Campbell , Claude Lévi -Strauss e James George Frazer, alguns dos principais estudiosos da Mitologia Comparativa, padrões como a Morte e o Luto se repetem de inúmeras formas na história da humanidade e, apesar de cada experiência humana ser única, ela também é dotada de uma dimensão coletiva, que nos dá acesso a experiências compartilhadas, independentemente de cultura, raça ou época. Esse espaço é conhecido como inconsciente coletivo e atua como um reservatório de experiências ancestrais que influenciam profundamente as nossas vidas. E aqui quero apresentar, da forma mais humana que conseguir, uma reflexão simbólica da relação humana com a morte, tão incompreendida nos nossos tempos e na nossa cultura, o que torna a experiência do enlutado mais solitária, uma vez que culturalmente estamos distantes dos saberes ancestrais coletivos, contaminados e viciados em um tipo de pensar e viver literal e excessivamente racionalista, como se a vida pudesse, em todas as suas dimensões, ser controlada e prevista de forma a que o ser humano dominasse fenômenos que não podem ser dominados, como a Morte, por exemplo, e a forma de se relacionar com ela.


“Imagens emocionalmente significativas podem ser experimentadas como símbolos. No símbolo, o mundo e a psique, o dentro e o fora se conectam.” (Verena Kast, 2022, p.59) 


Pelo fato de a morte como símbolo, como vivência e como experiência ser um dos temas mitológicos mais presentes na Mitologia Egípcia, a considero a metáfora perfeita para a abordagem da temática do luto. Aqui trataremos do assunto das grandes perdas, de perdas altamente significativas, como uma condição natural da vida humana, que nos coloca em um movimento transitório de ajustamento à vida após a perda. E esse ajustamento à nova realidade tem sua dimensão física, psicológica, espiritual, religiosa, filosófica, pedagógica, antropológica e cultural que influenciam consciente e inconscientemente a conduta humana no confronto com a real idade da morte.


No antigo Egito a morte era cultuada como uma passagem para o pós-vida, marcada por rituais de preparação do corpo e da alma para o renascimento na vida eterna. A morte e a ressurreição são temas mitológicos presentes em diversas outras mitologias do mundo, que acompanham e sucedem o tema da morte, como na mitologia nórdica, hindu, grega, cristã, celta – nas quais pessoas virtuosas, guerreiros e heróis desfrutavam de um pós -vida honroso. A leitura universal de que a vida não termina na morte física e é sucedida pela jornada da alma a alguma dimensão espiritual me faz lembrar da experiência do enlutado que sofre uma perda imensurável, morre por dentro e é profundamente transformado pelo processo de luto.


Em uma dinâmica psíquica arquetípica de vida-morte-vida visitaremos os saberes ancestrais da Mitologia de Osíris, da ritualística de Anúbis e do processo de Psicostasia(Julgamento da Alma dos Mortos). Na mitologia de Osíris encontramos esse padrão arquetípico de Morte e Renascimento, muito típico de momentos de transição de uma condição à outra de vida. O processo de luto é uma dessas condições, em que o confronto com a morte e a perda de um ente querido são eventos propulsores de um movimento de transição, quando o enlutado passa por uma perda e morte simbólica também.


Osíris e a Jornada Arquetípica da Alma

Morte e Renascimento


“Um jogo de tão alto nível, de ” como se ” libera a nossa mente e espírito, por um lado, da presunção da teologia, que pretende conheceras leis de Deus e, por outro, da tirania da razão, cujas leis não se aplicam para além do horizonte da experiência humana.” (Campbell, 2014, p.36)


Osíris é um dos principais deuses egípcios, seu culto era conhecido em diferentes partes do Egito, suas escrituras e imagens estão no Livro dos Mortos, nas pirâmides, nos templos e nos túmulos. É filho de Geb (deus da terra) e Nut (deusa do céu) e irmão de Ísis, sua esposa, além de Set e Néftis. Era conhecido como o deus da fertilidade e da agricultura, simbolizando a ciclicidade da vida, morte, renascimento e responsável pelo julgamento das almas dos mortos .


No princípio, Osíris era rei do Egito, deus da fertilidade e da agricultura. Invejado pelo irmão Set, que queria reinar o Egito, foi assassinado e desmembrado em um ato de traição, e as partes de seu corpo foram espalhadas por diferentes regiões do Egito. Tomando conhecimento da morte de seu marido, Ísis, acompanhada de Néftis, sua irmã, empreende uma busca pelas partes desmembradas do corpo do falecido rei. Após unir todas as partes, Ísis combina sua magia com as práticas de embalsamamento e mumificação de Anúbis, filho de Osíris com Néftis, e Osíris renasce como Deus dos Mortos, governante do pós-vida e responsável por julgar as almas dos mortos .


A jornada arquetípica de Morte e Renascimento de Osíris tem muito em comum com o processo de luto. O enlutado passa por um processo de desconstrução, desorganização e caos em decorrência da morte da perda sofrida, assim como Osíris, que morreu para sua condição de vida anterior, é desmembrado e espalhado por todo o Egito. O evento da morte desperta processos internos no enlutado, que também passa por uma morte simbólica, onde há mais do que a perda do ente amado, há também a perda de sua identidade de vida anterior. Porém, essa morte para o enlutado não é o fim, é apenas uma transição, assim como o foi para Osíris, que, graças a sua irmã-esposa Ísis, sua irmã Néftis e seu filho Anúbis, pôde renascer para uma nova vida.


“No símbolo, o mundo fala conosco, em tudo o que já foi. Os símbolos abrem a história pessoal para a história da humanidade – entramos em ressonância também com a história da humanidade.” (Verena Kast, 2022 p.60)


Perder alguém que amamos pode ser uma experiência altamente desorganizadora e perturbadora, tal como Set em sua natureza imprevisível provoca a morte, o caos e a desordem em toda a terra do antigo Egito. Lidar com esse tipo de perda leva o seu próprio tempo, a consciência emocional nos impulsiona por estágios, que a psiquiatra Elisabeth Kluber Ross, especialista em luto, nomeou como: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Além destes, seus estudos sobre o luto também levantaram a presença de respostas emocionais como culpa, ansiedade e entorpecimento. E outros processos como choque, negação parcial, luto preparatório, esperança e uma retirada do investimento emocional de objetos ou relacionamentos externos (conhecido como decatexia). A experiência desses estágios toma o seu próprio tempo, não pode ser medida nem prevista, está à disposição do tempo da alma, que não controlamos e não podemos direcionar; tudo o que podemos fazer é nos relacionar com ele da melhor forma possível e semear atitudes autoacolhimento, autocompaixão, autocuidado e validação do sofrimento. Em contra ponto a essa necessidade, o que muito se vê são pessoas querendo acelerar esse tempo, um tempo que não nos pertence, somos nós que pertencemos a ele.


Permitir-se vivenciar o luto é imprescindível para a manutenção do equilíbrio interior do enlutado. E com esse pesar emocional, a vida segue, nós inevitavelmente nos colocamos rumo a uma nova vida, ao renascimento de nós mesmos, a uma transformação da nossa real idade exterior e interior. A dor estrutura a nova vida de maneira profunda e consistente, ela ganha corpo na real idade do enlutado e tem papel importante nas transformações que se seguem em seu interior. A dor, a morte, o luto e o renascimento para a nova consciência de vida são processos naturais que todos passaremos, cada um à sua maneira, e a sua vivência simbólica pode transformar essa jornada de transição em algo que não é apenas doloroso. 


“As experiências humanas são sempre nossas, são sempre individuais, mas são experiências que outras pessoas já fizeram e provavelmente ainda farão.” (Verena Kast, 2022 p.61)


Verdade seja dita, é uma experiência que não pedimos e não queremos passar, mas é inevitável. E a aceitação desse processo nas relações humanas familiares e de amizade acolhe e poupa o enlutado de uma pressão externa para que “fique bem logo”. Mas aqui eu pergunto, será que é possível evitar encontrar com a incompreensão de alguém com relação a nos sa necessidade básica de tempo, acolhimento e vagarosidade, uma vez que o peso da perda é esmagador? As pessoas se constrangem e querem evitar o peso do sofrimento, se protegem de serem tocadas pela dor do outro e, reduzem a experiência a um simples “fique bem logo”. Mas o enlutado não pode fazer isso, ele sabe que não está no controle e que depois da morte cada dia é um novo dia sem quem amamos e o será até o final das nossas vidas.


Anúbis e a Ritualística da Morte 

A Corporeidade do Luto no Cotidiano


“Deste modo, quando uma alma morria, ela tinha um itinerário: primeiro, o corpo de veria ser embalsamado e mumificado”. (DIAS, 2017)


A morte começa a ganhar corpo, é palpável no vazio em casa, no silêncio onde antes haviam conversas, nas roupas e objetos que não serão mais usados em casa, a despedida do cheiro da pessoa, a ausência certa nas experiências futuras importantes, as datas especiais que perdem o significado e o sentido, a presença de datas onde a dor toma mais espaço dentro de nós, não importando o quanto a vida tenha crescido ao redor dessa dor. A morte se materializa na presença da dolorosa ausência de quem amamos, um dia após o outro, o tempo parece não passar, a dor parece não ter fim, em cada espaço esvaziado da presença do outro existe a presença de memórias tão palpáveis que são sentidas na pele e sonhos tão vívidos como nossa dor. A morte machuca o corpo, machuca a alma e machuca nossa história. A deusa morte não está sozinha, vem acompanhada de Anúbis , que chega em nossas vidas para preservar o que é importante, para nos ajudar na travessia no mundo dos mortos, para fazermos a pesagem do nosso coração e renascer para a vida no além.


Antes de sua morte, Osíris aparece em um dos mitos da deusa Néftis, que, sendo sua irmã, era muito parecida com Ísis, e o teria seduzido e teria tido um filho dele, o deus chacal Anúbis, que também era um deus dos mortos (Dias , 2017). Criado por Ísis em muitas das versões mitológicas, Anúbis tinha a função sagrada de preparar o corpo dos mortos para o embalsamamento e a mumificação. Na Mitologia, Anúbis ajuda Ísis a encontrar Osíris e o prepara para a ressurreição, sendo conhecido como mestre dessas práticas ritualísticas de conservação dos cadáveres.


Segundo Dias (2017), acreditava- se que o embalsamador, ao praticar sua arte de conservação e mumificação, estava sob o domínio de Anúbis. Durante o processo de conservação, eram retirados os órgãos dos falecidos e alguns deles eram colocados em Vasos Canopos protegidos por deuses para que o falecido pudesse retornar dos mortos.

Segundo a National Geographic Brasil (2022), esses processos especiais eram usados para remover a umidade do corpo e evitar, ao máximo, a decomposição. Isso porque é importante para a religião egípcia preservar o cadáver da forma mais natural possível. O processo durava 70 dias e era realizado apenas por sacerdotes especiais, os embalsamadores.


O processo consistia em etapas: retiradas dos órgãos internos, secagem do corpo e cobertura do cadáver em linho. Todos os órgãos eram retirados, menos o coração, que era necessário para o julgamento dos mortos no submundo. Ao final do processo, os sacerdotes “colocavam amuletos entre uma camada de linho e outra a fim de proteger os mortos. Eles também recitavam orações e escreviam palavras mágicas em algumas das tiras de linho.” (National Geographic Brasil, 2022)


Os ritos de passagem possuem um papel estruturante na vida humana desde tempos remotos. Nossos ancestrais utilizavam desses ritos para marcar a transição de uma fase de vida para outra, com função de educar socialmente aquele ser humano para seu novo momento de vida e papel na sociedade. Alguns desses ritos existem ainda nos tempos de hoje, como por exemplo: formatura, primeiro emprego, aposentadoria, casamento, nascimento de um filho, aniversários (15 anos , 18 anos , 50 anos), iniciações religiosas, cerimônias de cura (retiros espirituais, ayahuasca), cirurgias de redesignação de gênero, mudanças corporais (cirurgias estéticas), alta hospitalar (pós doença grave), posse (cargo profissional, governamental), mudança de residência (migração, imigração),divórcio, separação, primeira viagem sozinha, até uma mudança de emprego/ carreira e, inclusive, velórios e funerais , em que há uma ritualística de preparação do corpo para a despedida e velamento da alma.


A consciência dolorosa e perturbadora da morte/perda é visceral. A morte ganha corpo em nosso cotidiano, após o velório ainda estamos na companhia da morte, ela não nos abandona. O coração, como bom representante da alma humana, nos faz sentir cada pedaço de ausência corporificada e conservada em nosso cotidiano. A consciência da morte não acaba no velório, ela se estende por tempo indeterminado e nos desafia a viver o doloroso desconhecido, dia após dia. Para Rocha, Fonseca e Sales (2024) apud Martins e Lima (2014), o luto é um processo de ajustamento à perda, demandando que sejam vividas as emoções e sentimentos do enlutado para uma elaboração saudável, permitindo com o tempo a sua reestruturação emocional.


Assim como na ritualística de embalsamamento e mumificação de Anúbis, simbolicamente, existem partes de nós e da nossa vida que são tão substanciais que mesmo com a morte e a perda, não desaparecem. Elas são preenchidas de significado, de sentido e conservam a sua importância mesmo diante de tanta dor e sofrimento. Podemos dizer que elas refletem a nossa alma, nossa personalidade integral, como denominava Carl Gustav Jung. A princípio, percebemos somente a dor, a dor ganha corpo, mas como Anúbis guarda os órgãos vitais em vasos canopos, essas partes importantes de nós ficam guardadas até o momento da nossa travessia para a nova vida. A travessia é espiritual, e é a nossa alma que renascemais enriquecida e madura com a experiência dolorosa do luto.


Psicostasia e a Expansão da Personalidade 

O processo de luto


“O mito conta que no além, a alma dos mortos de veria passar por uma pesagem, de modo a verificar se era o mal ou o bem que pesaram mais nas atitudes do morto enquanto vivia.” (DIAS, 2017)


A morte tem esse poder de nos fazer questionar a vida, questionar com base no que é importante ao nosso coração. Ainda que não estejamos ligados intimamente com a situação da morte, quem é que nunca ficou sabendo sobre a morte de um conhecido ou de alguém que era importante para alguém próximo e foi tomado por uma atitude reflexiva sobre a vida que tem levado? Esse julgamento da alma, do que é importante, do que nos move, é uma pesagem do nosso coração na balança com a pena de Ma’ at. Colocamo-nos em julgamento, somos imersos em um clima mórbido no qual os fantasmas das consequências das nossas escolhas são reavivados, estamos no mundo dos mortos e estamos diante dos Deuses, das leis sagradas que nutrem nosso corpo e nossa alma, sentimos o peso das escolhas que fizemos na vida e, principalmente, somos avaliados por esse regimento interior, se elas foram feitas de coração. Para o enlutado, esse processo é inevitável, a Psicostasia acontecerá.


Após o ritual de embalsamamento e mumificação do corpo, Anúbis acompanha a alma do falecido, adentrando o mundo dos mortos sob domínio de Osíris. No caminho, a alma tem que se proteger espiritualmente com encantamentos disponíveis no livros dos mortos para afastar a grande serpente que habitava o submundo e seus outros perigos . O destino era o salão de Ma’ at, deusa verdade, da justiça e da ordem, protetora da ordem cósmica. Era uma mulher alada com uma pena de avestruz na cabeça, filha de Rá, deus do sol, e esposa de Thoth, deus da sabedoria e da escrita.


Segundo Dias (2017), no salão de Ma’ at, a alma dos mortos deveria passar por uma pesagem para avaliar se foi o bem ou o mal que mais estavam presentes nas atitudes do morto quando era vivo. Essa decisão contava com a participação de diversos deuses, mas os principais condutores da alma e do julgamento são Anúbis, Ma’ at, Thoth e Osíris.

Anúbis acompanha a alma como seu guardião até que o julgamento seja finalizado; Ma’ at tira o coração do falecido e o coloca na balança em contrapeso com uma de suas penas de avestruz; acompanhando o prato onde o coração seria pesado está a deusa Ammut, a devoradora de almas, para o caso de o coração ser mais pesado que a pena de Ma’ at.

Uma vez em julgamento, a alma precisaria solicitar ressurreição a Osíris, recitando a confissão negativa em que afirmava ter vivido conforme os preceitos de bondade de Osíris. Sua afirmação era validada ou desvalidada pelo peso de seu próprio coração. E em caso de o coração se comprovar tão leve quanto a pena de Ma’ at, este era considerado isento de culpa e verdadeiro em suas afirmações, conseguindo o aval dos deuses para renascer, assim como Osíris.


Esse processo de julgamento da alma foi chamado de Psicostasia, e os ensinamentos para confrontar esse processo de julgamento estava gravado no Livro dos Mortos, assim como nas tumbas e sarcófagos, para auxiliar a alma rumo ao seu julgamento.

O coração, em diversas culturas do mundo, é reconhecido como o porta voz da alma. São as verdades expressas pelo coração que são julgadas no salão de Ma’ at, avaliando se aquela alma era digna de retornar à vida, e, caso não fosse, seria devorada. Para Carl Gustav Jung, psiquiatra e psicólogo suíço, estudioso da psicologia do inconsciente, deuses e imagens mitológicas são expressões metafóricas e expressões simbólicas da mente humana. Esses arquétipos vivem dentro de nós e se manifestam em momentos como quando enfrentamos o desconhecido, como a morte de um ente querido.


A Psicostasia ou o julgamento da alma também está presente na experiência do enlutado. Seus deuses são como seus sentimentos, que pesam seu coração na balança do que realmente é importante para ele, das verdades que guiam suas escolhas na vida até o momento. Nesse caminho, permanece na alma somente aquilo que realmente faz sentido, aquelas partes de importantes que não perecem com a morte. A morte tem esse poder de nos fazer buscar o que realmente tem sentido para nós em vida.


A personal idade do indivíduo em luto passa por uma profunda transformação e revelação de verdades que ressoam na alma, proporcionando uma fase de conhecimento mais intensa sobre si mesmo e amadurecimento, ou então, de desenvolvimento de um luto patológico, no qual consideramos que a alma se perde de seu caminho rumo à vida nova, ao seu renascimento, ao ajuste de si mesmo à perda sofrida.


O renascimento na Psicostasia do enlutado é espiritual , é vida que se mantém após a morte. Para Carl Gustav Jung, a espiritual idade é expressão intrínseca da mente humana, e a busca por sentido e significado, através de experiências profundas, é característica do inconsciente coletivo, espaço mais profundo da mente em que imagens e traços funcionais da espécie humana, os arquétipos, estão registrados. Experiências como o luto fazem parte do nosso processo de desenvolvimento e amadurecimento. Por meio do confronto com a morte e a vivência da dor da perda, somos transformados profundamente, somos convocados contra a nossa própria vontade a interagir com forças arquetípicas que nos acompanham durante o processo de luto e têm o poder de evocar as expressões mais profundas e verdadeiras da alma humana.


Entretanto, hoje, a nossa relação simbólica com a morte, a perda e os momentos de transição do luto tem cada vez mais se perdido dentro da cultura ocidental extremamente racionalista. Uma perda que não é apenas de um enlutado, mas de toda a humanidade. Para HAN (2021), quanto mais o viver é sobreviver, mais medo se tem diante da morte. A desconexão humana com a sua natureza simbólica vem de uma construção cultural, em que cada vez mais se anestesia das dores e sofrimentos naturais da vida, como, por exemplo, o processo de luto. Não é incomum encontrarmos pessoas se defendendo de sentir, sobrevivendo às dores da vida como se fossem doenças a serem evitadas ou tratadas, mas não como parte natural do viver, pessoas que reprimem o sentir em seu próprio processo de luto, dificultando ao ajustamento a perda vivida, podendo chegar a uma condição patológica da experiência do luto. Por isso, a aproximação com a linguagem simbólica e metafórica dos mitos é tão essencial para os corações surdos e cegos para a humanidade ao nosso redor e em nós mesmos. É uma reconexão com o que toca profundamente em nós, com aspectos da nossa natureza que preenchem a vida de sentido e que, ainda que seja através da dor, nos conectam com o que é sagrado para nós. 


Os mitos têm esse poder transcendental, que tocam fundo na alma, transformando experiências humanas em autoconhecimento e oportunidades de amadurecimento. Mitos são modelos, não para nos ensinar receitas de como viver, mas como fonte de sabedoria para repensarmos, elaborarmos e construirmos a nossa própria forma de viver com as condições que a vida nos coloca.

Comentários


Receba as atualizações no seu e-mail!

  • Whatsapp
  • Linkedin
  • Instagram

© 2025 Amanda Annibale. Orgulhosamente criado com Wix.com

bottom of page